Cautelas a serem usadas contra os três inimigos da alma: o mundo, o demônio e a carne.
São
João da Cruz nos adverte como proceder para vencer os inimigos da alma e chegar
à união com Deus. Para ele, para vencer qualquer um é preciso vencer os três, o
que cessará a guerra para a alma. O mundo é o que oferece menos dificuldade
para a alma. O demônio é o mais obscuro de entender e carne é o mais tenaz
durando enquanto durar o homem velho.
Contra
o mundo
Deverás usar de três cautelas para libertar-te do dano
que o mundo pode causar. Primeira cautela: à todas as pessoas tenha igual amor
e igual esquecimento, quer sejam parentes, quer não sejam, desprendendo o
coração tanto de uns como de outros. Não ames uma pessoa mais do que a outra,
porque errarás, pois é digno de maior amor aquele que Deus mais ama e tu
ignoras a quem ele ama [mais]. Segunda cautela: esta se refere aos bens
temporais. Faz-se mister aborreceres toda forma de propriedade. Deve-se buscar
o reino de Deus, por que o demais, ser-nos-à
dado por acréscimo. Com isso adquirirás silêncio e paz nos sentidos.
Terceira cautela: consiste em evitar o pensamento e mais ainda falar sobre o
que se passa na comunidade; o que acontece ou aconteceu com algum religioso em
particular; não te ocupes da sua maneira de ser, do seu trato, das suas coisas
por mais graves que sejam. Nem a pretexto de zelo a não ser a quem de direito
convém dizê-lo a seu tempo. Não te escandalizes nem te admires com coisas que
veja, mas procura guardar a tua alma no esquecimento de tudo isso. Por que se
quiseres reparar em alguma coisa, muitas
não te parecerão bem e assim, numa ou outra coisa te colherá o demônio para que
a tua alma se distraia.
Para livrar-se do segundo
inimigo os aspirantes à perfeição devem lançar mão também de três cautelas.
Primeira: jamais te mova à coisa alguma, ainda que te pareça boa e cheia de
caridade, quer para ti ou outra pessoa, sem ordem da obediência, a não ser para
aquilo a que por ordem estás obrigado. Entre os numerosos ardis usados pelo
demônio para enganar os espirituais, o mais comum é enganá-los sob a aparência
de bem e não sob aparência de mal. E se não te regeres em tudo pela obediência,
já não estarás isento do erro culposo. Deus
quer antes a obediência do que sacrifícios (1Sm 15,22). Segunda cautela:
jamais considerar o prelado menos que Deus, seja ele quem for, pois foi
constituído em seu lugar. Asseguro-te que por haver o demônio feito com que
considerasse as coisas por este prisma, induzindo a pôr os olhos nas
exterioridades, acerca da obediência, conseguiu arruinar na perfeição à
muitíssimos religiosos, e seus atos de obediência são de muito pouco valor
diante de Deus. Terceira cautela: no íntimo do teu coração procures sempre
humilhar-te em palavras e em obras, regozijando-te com do bem dos outros. Dessa
forma, vencerás o mal com o bem, expulsarás o demônio para longe e andarás com
alegria no coração.
Contra
a carne
Para vencer-se a si mesmo e
à sua sensualidade, deve-se usar de mais três cautelas. Primeira: para te
livrares das imperfeições e perturbações que te podem oferecer a índole e o
trato dos religiosos e tirar proveito de todos os acontecimentos, convém pensar
que todos são agentes encarregados de te exercitar: que uns te hão de
aperfeiçoar por palavras, outros por obras, outros pensando mal de ti e que a
tudo hás de estar sujeito. Se não observares esta norma não conseguirá vencer
tua sensualidade e sentimentos, nem conseguirás viver em harmonia. Segunda
cautela: jamais deixe de fazer as obras por não encontrar nelas gosto e prazer,
se convier ao serviço do Senhor que se façam; nem as execute apenas pelo prazer
e gosto que te proporcionarem, senão que deves fazê-las tanto como as
desagradáveis. Assim adquirirás constância e vencerás a fraqueza. Terceira
cautela: nunca ponha os olhos no prazer dos exercícios para a ele se apegar,
vindo a fazê-los só pelo gosto que lhe proporcionam, nem fujam do amargo deles;
dê preferência ao trabalhoso e desagradável. Assim perderás o amor-próprio e
ganharás o amor de Deus.
Fonte: Obras
Completas de São João da Cruz. Pequenos tratados espirituais.
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