"O Carmelo é todo de Maria": esta bela e significativa afirmação do Papa Leão XIII é tão verdadeira, que nós, carmelitas, nos sentimos atraídos a venerar a Virgem Maria não somente sob o título de Nossa Senhora do Carmo, mas, em todos os seus demais títulos. A Virgem Santíssima possui diversos títulos, quer referentes à suas virtudes, quer referentes a passagens de sua vida, quer referentes a locais onde apareceu ou onde seu culto tomou grandes proporções devido a sinais e prodígios atribuídos a Ela mesma. Hoje, trago ao conhecimento dos leitores a bela história do título "Nossa Senhora do Ó".
Certos nomes ou
invocações de Nossa Senhora, pelo fato de os termos ouvido sempre, desde a
infância, não nos chamam a atenção. Mas, para quem nunca os ouviu, parecem um
tanto estranhos. Fato muitas vezes embaraçoso para quem reside ao lado de uma
imagem que sempre invocou e nem sabe qual a origem do nome. Foi o que aconteceu
a um amigo com a invocação de Nossa Senhora do Ó. Tantas vezes a ouviu, e
quando lhe perguntaram o significado dela, que perplexidade!
Após o pecado
original, Deus prometeu a Adão que viria um Redentor. A humanidade ficou
séculos esperando o nascimento daquele que nos abriria as portas do Céu.
Especialmente no povo eleito, havia os que aguardavam o nascimento desse
Salvador, o Messias. E, sobretudo, esperava-O ardentemente uma donzela
pertencente ao povo judeu: Maria Santíssima.
Para celebrar
essa expectativa de Nossa Senhora, o anseio e a alegria com que Ela aguardava o
nascimento de seu divino Filho, determinou a Igreja que a última semana antes
do Natal fosse denominada “da expectação” ou “da esperança”. E que esses
desejos estivessem refletidos nas antífonas do Ofício ou Breviário que os
sacerdotes e religiosos devem rezar.
Por
coincidência, nessa mesma semana, elas começavam todas por “Ó!“: Ó, Sabedoria!
Ó, Emmanuel! Ó, Rei dos Povos!, etc; antífonas que terminavam todas com a invocação
“veni”, ou seja, “vinde“.
Tais súplicas
ardentes, para que viesse logo o Salvador do mundo, a Santa Igreja as extraiu
das mais notáveis passagens da Sagrada Escritura, nas quais os Patriarcas e
Profetas manifestavam seus desejos de que nascesse o quanto antes o Redentor.
Se eles
manifestavam assim tais desejos, quanto mais não os manifestaria Nossa Senhora,
que sabia estar tão próximo o nascimento do Messias! E se eles diziam “Ó,
Senhor, vinde logo“, com quanta mais fé Nossa Senhora não diria o mesmo! Desse
pensamento piedoso nasceu a devoção a Nossa Senhora do Ó.
Uma
devoção que sobrevive à transformação da cidade de São Paulo
Na capital
paulista, a paróquia da Freguesia do Ó, e o bairro nascido em torno dela, devem
o seu nome a essa invocação. Já em 1618 havia sido construída uma capela com
tal nome numa aldeia de índios próxima a Piratininga pelo bandeirante Manuel
Preto. Mas com o aumento da população foi necessário edificar novo templo,
concluído em 1795. Essa nova igreja incendiou-se no final do século XIX, tendo
sido substituída pela atual, que data de 1901.
Se esse templo
falasse, poderia narrar as incríveis transformações que viu se realizarem a seu
redor… Em todo caso, é reconfortante ver ainda hoje a torre da igreja com seus
anjos tocando trombeta para celebrar a alegria da Virgem que vai dar à luz.
Devoção
antiga em três outros Estados brasileiros
Embora não haja
documentos que o comprovem, parece ter sido em Olinda que começou essa devoção
no Brasil. Isto porque existe uma imagem que consta ter sido levada lá por
ocasião da fundação da cidade. Talvez a tenha conduzido algum devoto português
de Évora ou Torres Novas, locais onde tal devoção é muito difundida. Em todo
caso, é certo que já em 1709 a imagem se encontrava no local.
No Rio de
Janeiro, existiu uma pequena capela dedicada a Nossa Senhora do Ó, na Várzea,
junto ao morro de São Januário e da praia, que foi construída após a
reconquista da cidade das mãos dos franceses calvinistas.
Na cidade de
Sabará, em Minas Gerais, a devoção foi levada àquela região pela família do
bandeirante Bartolomeu Bueno, a qual construiu no século XVIII uma igreja com a
mesma invocação.
Em vários
lugares do território brasileiro, portanto, a devoção tem origem muito antiga,
e, se em alguns locais a devoção infelizmente desapareceu, em outros se mantém
até o presente.
Também na
América hispânica a devoção se difundiu, o que não é de estranhar, uma vez que
foi um espanhol do século VII, Santo Ildefonso, bispo de Toledo, na Espanha,
quem pela primeira vez mandou festejar tal invocação.
E foi
especialmente no Peru que a devoção vingou, graças ao empenho dos padres jesuítas.
Estes fundaram em Lima, na igreja de San Pedro y San Pablo, uma confraria que
começou com apenas 12 pessoas e poucos recursos, foi crescendo até contar
atualmente com centenas de associados e um capital considerável.
Infelizmente,
tanto no exterior quanto no Brasil a devoção foi decaindo, por motivos vários.
Dentre eles, convém assinalar o fato de o homem moderno ter o coração fechado
para as alegrias inocentes, como é a alegria do Natal, ou a alegria da mãe que
espera o nascimento de seu filho. Quantos homens não sentem mais nenhuma
alegria no Natal, quando antes o esperavam ansiosos na infância!
Concluímos com
uma proposta: assim como Nossa Senhora, na expectativa do nascimento do
Salvador, rogava “Ó, Senhor, vinde logo!“, também nós devemos, hoje mais do que
nunca, suplicar:
“Ó, Senhora,
vinde logo! Antes havia a expectativa da vinda de Vosso Divino Filho. Hoje,
grande é a expectativa de que se cumpram as profecias que anunciastes em Fátima
no ano de 1917. Não tardeis!”
Iconografia
e data litúrgica
A imagem de
Nossa Senhora do Ó apresenta a Virgem com uma das mãos (geralmente a mão esquerda)espalmada sobre o ventre em fase
final de gravidez. A mão direita pode aparecer em simetria à outra ou
levantada. Encontram-se imagens com esta mão segurando um livro aberto ou
também uma fonte, ambos significando a Fonte da Vida.
Nossa Senhora do
Ó é celebrada no dia 18 de dezembro, já às portas do Natal do Salvador.
Bibliografia:
– Ruben Vargas
Ugarte, S.J., “Historia del Culto de María en Iberoamérica y de sus Imágenes y
Santuarios más celebrados”, Madrid, 1956, Tomo II, 3a edição.
– Nilza Botelho
Megale, “Cento e doze invocações da Virgem Maria no Brasil”, Ed. Vozes, 2a
edição, Petropolis, 1986.
– Edésia Aducci,
“Maria e seus gloriosos títulos”, Ed. Lar Católico, 1a edição, 1958.
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A partir de matéria
da Revista Catolicismo, fevereiro de 2000