PECADOS “QUE
LEVAM À MORTE” OU CONTRA O ESPÍRITO SANTO.
Foi-me pedido
por minha mãe que eu explicasse dois trechos das Sagradas Escrituras que são,
digamos, um pouco “difíceis”: um está contido na Primeira Epístola de São João,
capítulo 5 e versículos 16 e 17, e se refere a “pecados para os quais não se
deve rezar” e o outro está contido nos Evangelhos de São Mateus, São Marcos e
São Lucas e se refere ao pecado ou “blasfêmia” contra o Espírito Santo.
Realmente, numa
“primeira análise” parecem um pouco estranhos, pois, os Santos Evangelistas Mateus,
Marcos, Lucas e João parecem contradizer a infinita Misericórdia divina e o
dever que nós cristãos temos de rezar pela conversão de nosso próximo e de
todos os pecadores.
I)
PECADOS QUE
“LEVAM À MORTE”:
Transcrevo os
mesmos versículos em duas versões: uma da Bíblia “Ave Maria” e outra da Bíblia
da “CNBB”.
Bíblia Ave Maria:
16. Se alguém vê seu irmão cometer um pecado
que não o conduza à morte, reze, e Deus lhe dará a vida; isto para aqueles que
não pecam para a morte. Há pecado que é para morte; não digo que se reze por
este.
17.Toda iniquidade é pecado, mas há pecado que não
leva à morte.
Bíblia da CNBB:
16. Se alguém
vê o seu irmão cometer um pecado que não leva à morte, que ele reze, e Deus dará a
vida a esse irmão. Isso quando o pecado cometido não leva para a morte. Existe um pecado que leva para a morte,
mas, não é a respeito desse que eu digo
para se rezar.
17.Toda injustiça é pecado, mas existe pecado que
não leva para a morte.
Este texto não
pode ser lido fora de contexto. Explico. No contexto atual, isto é, na
atualidade, nos parece muito estranho o Evangelista dizer que existem pecados
pelos quais não se deve rezar... No entanto é preciso entender esse texto no
contexto daquele tempo, isto é, dos chamados “tempos apostólicos” ou
“primórdios da Igreja”, que englobam a segunda metade do século I, todo o século II e a primeira metade do
século III.
Naquele tempo,
os cristãos aderiam à fé com grande CONVICÇÃO. Quem se convertia, se convertia
de verdade; “para valer”, como diríamos hoje em dia. Praticamente não havia,
como existe hoje, cristãos “de faixada”, isto é, que são cristãos, mas, não
vivem a sua fé. Assim, quem se convertia e pedia o Santo Batismo, o fazia com
grande fé e convicção do que estava fazendo. Sabia que dali por diante teriam
que levar uma “vida nova”, uma “nova vida em Cristo”, sem nenhum pecado, mesmo
venial ou não grave. Sim. A “coisa” era levada bem a sério. Após o Batismo, não
se admitia ao cristão ou à cristã que voltasse ao “homem velho”, pois, pelo
Batismo, aquela pessoa estava “morta para o pecado”, em Cristo Jesus.
Assim, quando
naquele tempo acontecia de alguém pecar venialmente, ele tinha que confessar suas faltas a toda assembleia de cristãos de sua comunidade. Já pensaram? Assim,
a comunidade rezava pelo perdão daquele pecado e o sacerdote (presbítero ou
bispo) dava o perdão do pecado e impunha uma penitência (muitas vezes bem
severa).
Quando, por
infelicidade (e isso era raro naqueles santos tempos) alguém cometia um pecado
grave ou mortal, era praticamente EXCOMUNGADO, isto é, ficava FORA DA COMUNHÃO
DA COMUNIDADE ECLESIAL. Vocês estão achando isso exagero? Quem se lembra do que
aconteceu com Ananias e Safira, dois cristãos que tentaram enganar São Pedro
com relação à venda dos bens que possuíam? Vocês lembram essa passagem? Já
leram ela? Pois bem, a história foi narrada por São Lucas no livro dos Atos dos
Apóstolos, capítulo 5, versículos do 01 ao 10. Façam uma pequena pausa e leiam
esse trecho de Atos...
(transcrevo)
1. Um certo homem chamado Ananias, de comum acordo
com sua mulher Safira, vendeu um campo 2. e, combinando com ela, reteve uma
parte da quantia da venda. Levando apenas a outra parte, depositou-a aos pés
dos apóstolos. 3. Pedro, porém, disse: Ananias, por que tomou conta Satanás do
teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo e enganasses acerca do valor
do campo? 4. Acaso não o podias conservar sem vendê-lo? E depois de vendido,
não podias livremente dispor dessa quantia? Por que imaginaste isso em teu
coração? Não foi aos homens que mentiste, mas a Deus. 5. Ao ouvir estas
palavras, Ananias caiu morto. Apoderou-se grande terror de todos os que o
ouviram. 6. Uns moços retiraram-no dali, levaram-no para fora e o enterraram.
7. Depois de umas três horas, entrou também sua mulher, nada sabendo do
ocorrido. 8. Pedro perguntou-lhe: Dize-me, mulher. Foi por tanto que vendestes
o vosso campo? Respondeu ela: Sim, por esse preço. 9. Replicou Pedro: Por que
combinastes para pôr à prova o Espírito do Senhor? Estão ali à porta os pés
daqueles que sepultaram teu marido. Hão de levar-te também a ti. 10.
Imediatamente caiu aos seus pés e expirou. Entrando aqueles moços, acharam-na
morta. Levaram-na para fora e a enterraram junto do seu marido. 11. Sobreveio
grande pavor a toda a comunidade e a todos os que ouviram falar desse
acontecimento.
Pois é, irmãos e
irmãs... Naqueles tempos os Apóstolos tinham que agir com maior rigor, pois, o
Evangelho era encarado com seriedade, bem diferente de como é hoje em
dia... Além do mais, a lei evangélica
esta começando a ser divulgada e implantada... Se já começasse “com moleza”,
sem seriedade e responsabilidade, teria conseguido se implantar?
Pois bem, quando
acontecia da pessoa se arrepender de um pecado mortal cometido e pedia perdão à
comunidade, o presbítero ou o bispo que acolhia a confissão, antes de dar o
perdão sacramental, impunham uma duríssima penitência como condição para o
pecado fosse perdoado. E detalhe: avisando que no caso de uma reincidência não o
seria mais! As penas realmente eram duras: meses e meses de jejuns e
demonstração de humildade (p.ex. andar “vestidos de saco” e com cinzas na
cabeça), peregrinar aos Lugares Santos e ali fazer penitências, servir aos
pobres e necessitados durante muito tempo, não permitir a entrada no local da
Missa (tinham que assistir do lado de fora), etc.. Tudo era feito para que aquela
pessoa realmente demonstrasse e provasse à comunidade cristã à qual pertencia que
estava verdadeiramente arrependida.
É por isso que o
São João diz que a comunidade não estava obrigada a rezar por aqueles que
cometeram pecados “que levam à morte”, para que os cristãos realmente temessem (e
muito) cometer tais pecados!
No contexto atual podemos dar a seguinte
explicação doutrinal à passagem:
Nos textos acima
se vê claramente que o Evangelista não está falando de um “pecado qualquer”.
Ele fala que há tipos de pecado que “levam à morte” e que “para esse tipo de
pecado” ele diz que não se deve rezar... Como é que pode isso? Não nos parece,
na atualidade, no conhecimento que temos da Misericórdia divina, um absurdo?
Irmãos e irmãs,
há uma diferença muito grande entre os tipos de pecados e entre os tipos de
pecadores. Não que não sejamos TODOS pecadores, mas, há pecadores que pecam por
fraqueza ou tibieza e há pecadores que, infelizmente, pecam com pura malícia, isto é, por maldade ou por
rebelião e/ou indisposição contra a vontade divina, assumida com plena
permissão da consciência e vontade.
Infelizmente,
isso existe: há pessoas que pecam por maldade mesmo, plenamente cônscias do que
fazem e o fazem por que querem, chegando mesmo a se “deleitarem” no pecado, a
terem “orgulho” do mal que fazem... Triste, não é?
Pois bem, tais
pecados levam verdadeiramente à MORTE da alma... Praticamente não adianta rezar
pelo perdão desse tipo de pecado, pois, a pessoa mesma não quer ser perdoada de
forma alguma! Ela acha que está certa: como irá se arrepender? Para que haja
arrependimento e perdão, primeiro é necessário que o pecador sinta ou reconheça
que errou, que pecou... Uma pessoa que sente prazer ou orgulho pelo mal que
fez, como irá se arrepender? Muito, muito difícil! Quase impossível!
Podemos
continuar rezando pela conversão dos pecadores, de todos os pecadores! Porém,
esses pecadores que estão afundados na maldade com plena consciência e
consentimento da vontade necessitam de um grande milagre da Graça e de um
grande esforço pessoal para sair desse estado de desgraça ou impiedade.
Uma pessoa que
está “mergulhada” em pecados que “levam à morte”, necessita, de um grande
arrependimento, de um profundo reconhecimento de que errou, de uma busca muito
grande do perdão de Deus e da Igreja, através do Sacramento da Reconciliação, e
de uma satisfação perfeita de seus pecados. Gente, isso não é fácil! É
necessário um verdadeiro MILAGRE da Graça divina para que isso aconteça...
O Apóstolo e
Evangelista São João, já nonagenário quando escreveu suas Cartas, é muito
realista e experiente: ele sabe que os tais “pecados que levam à morte” deixam a alma do pecador, ou melhor, alma
do ímpio (ímpio ou ímpia é aquela
pessoa que não tem mais em si o dom ou a virtude da piedade cristã) de tal
forma envolvida pelo pecado que fica muito, mas, muito difícil mesmo a sua
conversão.
Aproveito aqui o
“mote” para falar sobre os pecados contra o Espírito Santo.
II)
PECADOS OU
“BLASFÊMIAS” CONTRA O ESPÍRITO SANTO
Jesus nos fala do
“pecado ou blasfêmia contra o Espírito Santo”, que, segundo diz o próprio
Senhor, “não terá perdão nem neste, nem no século futuro” (isto é, nem nesta
vida, nem no purgatório). Vejamos os
textos:
Por isso, eu vos digo: todo pecado e toda blasfêmia
serão perdoados aos homens, mas a blasfêmia contra o Espírito não lhes será
perdoada.
Todo o que tiver falado contra o Filho do
Homem será perdoado. Se, porém, falar contra o Espírito Santo, não alcançará
perdão nem neste século nem no século vindouro. (Mateus 12, 31-32)
... “todo o que tiver blasfemado contra o
Espírito Santo jamais terá perdão, mas será culpado de um pecado eterno”.
(Marcos 3, 29)
“Todo aquele que tiver falado contra o Filho do
Homem obterá perdão, mas aquele que tiver blasfemado contra o Espírito Santo
não alcançará perdão”. (Lucas 12, 10)
O que Jesus quis
dizer com essas palavras? Como é que pode? Como é possível alguém blasfemar
contra Ele e poder ter perdão e alguém blasfemar contra o Espírito Santo e não
ser perdoado? Que tipo de blasfêmia é essa?
Na verdade,
pecar ou “blasfemar” contra o Espírito Santo não é apenas uma pessoa “dizer
palavrões” contra a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, mas, a pessoa se
colocar contra sua AÇÃO na alma. Como assim? Simples: todo e qualquer pecado do
qual a pessoa não se arrepende, ou
não quer se arrepender ou não
acredita que possa ser perdoado, Deus
não pode perdoar. O Espírito Santo é o Amor de Deus. Quando Deus perdoa,
Ele exerce o seu Amor, sua infinita bondade e misericórdia. No momento do
perdão, Deus Espírito Santo age com seu Amor. Pois bem, quando uma alma não
está arrependida do mal que fez, obviamente não pede perdão a Deus, não é
mesmo? Por isso, essa atitude da alma ÍMPIA (sem piedade) equivale a uma
“blasfêmia” contra o Amor de Deus: o Espírito Santo. A alma simplesmente
“recusa” a salvação, rejeitando a ação do Espírito Santo, isto é, sua advertência
ou convite à salvação. A alma constrói uma “barreira” entre a Misericórdia de
Deus e ela mesma...
Importante,
aqui, que eu explique quais são os TIPOS ou MODOS de pecado contra o Espírito
Santo. O Santo Catecismo da Igreja Católica ensina que existem SEIS tipos
diferentes de pecado contra o Espírito Santo. Todos eles, na verdade, se
correlacionam entre si. Envolvem ORGULHO, PREPOTÊNCIA, EGOÍSMO, CINISMO,
RELATIVISMO, DESLEIXO e IMPIEDADE por parte da alma. Quem peca contra o
Espírito Santo está muito afastado de Deus e numa condição de alma péssima,
pois, para essa alma fica muito difícil a conversão. Por isso que Jesus fala
que “será culpado de um pecado eterno”...
Quais são os tipos de pecado contra o Espírito
Santo?
O Papa São Pio X
(1903 – 1914), de santa memória, em Catecismo, classificou o Pecado contra o
Espírito Santo em SEIS tipos. São eles:
1º - Desesperar da salvação: quando a
pessoa perde as esperanças na salvação, achando que sua vida já está perdida e
que ela se encontra condenada antes mesmo do Juízo. Julga que a misericórdia
divina é pequena. Não crê no poder e na justiça de Deus.
2º - O segundo
pecado é exatamente o inverso do primeiro, mas, é tão prejudicial quanto: a presunção de salvação, ou seja, a pessoa
cultiva em sua alma uma ideia de perfeição que implica num sentimento de
orgulho. Ela se considera salva, pelo que já fez. Somente Deus sabe se aquilo
que fizemos merece o prêmio da salvação ou não. A nossa salvação pode ser
perdida, até o último momento da nossa vida, e Deus é o nosso Juiz Eterno.
Devemos crer na misericórdia divina, mas não podemos usurpar o atributo divino
inalienável do Juízo.
O simples fato
de já se considerar eleito é uma atitude que indica a debilidade da virtude da
humildade diante de Deus. Devemos ter a convicção moral de que estamos certos
em nossas ações, mas não podemos dizer que aos olhos de Deus já estamos
definitivamente salvos.
Os calvinistas,
por exemplo, afirmam a eleição definitiva do fiel, por decreto eterno e
imutável de Deus.
A Igreja
Católica ensina que, normalmente, os homens nada sabem sobre o seu destino,
exceto se houver uma revelação privada, aceita pelo sagrado magistério. Por
essa razão, os homens não podem se considerar salvos antes do Juízo.
3º - Negar a verdade conhecida como tal pelo magistério da Santa Igreja, ou
seja , quando a pessoa não aceita as verdades de fé (dogmas de fé), mesmo após
exaustiva explicação doutrinária. É o caso dos hereges.
Considera o seu
entendimento pessoal superior ao da Igreja e ao ensinamento do Espírito Santo
que auxilia o sagrado magistério.
4º - Inveja da graça que Deus dá aos outros.
A inveja é um sentimento que consiste em irritar-se porque o outro conseguiu
algo de bom. Mesmo que você possua aquilo ou possa ganhar um dia. É o ato de
não querer o bem do semelhante. Se eu
invejo a graça que Deus dá a alguém, estou dizendo que aquela pessoa não
merece tal graça, me tornando assim o juiz do mundo. Estou me voltando contra a
vontade divina imposta no governo do mundo. Estou me voltando contra a Lei do
Amor ao próximo. Não devemos invejar um bem conquistado por alguém. Se este bem
é fruto de trabalho honrado e perseverante, é vontade de Deus que a pessoa
desfrute daquela graça.
5º - A obstinação no pecado é a vontade
firme de permanecer no erro mesmo após a ação de convencimento do Espírito
Santo. É não aceitar a ética cristã. Você cria o seu critério de julgamento
ético. Ou simplesmente não adota ética nenhuma e assim se aparta da vontade de
Deus e rejeita a Salvação.
6º - A impenitência final é o resultado de toda uma vida de rejeição a Deus: o
indivíduo persiste no erro até o final, recusando arrepender-se e
penitenciar-se, recusa a salvação até o fim. Consagra-se ao Adversário de
Cristo. Nem mesmo na hora da morte tenta se aproximar do Pai, manifestando
humildade e compaixão. Não se abre ao convite do Espírito Santo
definitivamente.
Bem, espero que
essas explicações ajudem a esclarecer quaisquer dúvidas. Não deixemos de rezar
pelos pecadores... Sempre! Tudo entreguemos a Deus para que Ele, pela
intercessão da Santíssima Virgem Maria, dos Santos Anjos, dos Santos e Santas
do Paraíso, possa alcançar a graça da salvação para muitos, pelos méritos
infinitos da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo. Deus pode operar grandes
milagres de conversão. Ele é o Senhor da Graça e a própria Misericórdia. Se
muitos se condenam, não é porque sua Misericórdia é limitada, mas, porque,
infelizmente, rejeitaram a Graça divina até o fim...
(Giovani Carvalho Mendes, ocds)
Parabéns, muito bom!
ResponderExcluirExcelente explicação, disse tudo !!!
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