A
esta criatura dileta entre todas, superior a tudo quanto foi criado, e inferior
somente à humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus conferiu um
privilégio incomparável, que é a Imaculada Conceição.
O vocabulário
humano não é suficiente para exprimir a santidade de Nossa Senhora. Na ordem
natural, os Santos e os Doutores A compararam ao sol. Mas, se houvesse algum
astro inconcebivelmente mais brilhante e mais glorioso do que o sol, é a esse
que A imaculada Conceição comparariam. E acabariam por dizer que este astro
daria d'Ela uma imagem pálida, defeituosa, insuficiente. Na ordem moral,
afirmam que Ela transcendeu de muito todas as virtudes, não só de todos os
varões e matronas insignes da Antiguidade, mas - o que é incomensuravelmente
mais - de todos os Santos da Igreja Católica.
Imagine-se
uma criatura tendo todo o amor de São Francisco de Assis, todo o zelo de São
Domingos de Gusmão, toda a piedade de São Bento, todo o recolhimento de Santa
Teresa, toda a sabedoria de São Tomás, toda a intrepidez de Santo Inácio, toda
a pureza de São Luiz Gonzaga, a paciência de um São Lourenço, o espírito de
mortificação de todos os anacoretas do deserto: ela não chegaria aos pés de
Nossa Senhora.
Mais ainda. A
glória dos Anjos é algo de incompreensível ao intelecto humano. Certa vez,
apareceu a um santo o seu Anjo da Guarda. Tal era sua glória, que o Santo
pensou que se tratasse do próprio Deus, e se dispunha a adorá-lo, quando o Anjo
revelou quem era. Ora, os Anjos da Guarda não pretendem habitualmente às mais
altas hierarquias celestes. E a glória de Nossa Senhora está
incomensuravelmente acima da de todos os coros angélicos.
Poderia haver
contraste maior entre esta obra-prima da natureza e da graça, não só
indescritível, mas até inconcebível, e o charco de vícios e misérias, que era o
mundo antes de Cristo?
A Imaculada Conceição
A esta criatura
dileta entre todas, superior a tudo quanto foi criado, e inferior somente à
humanidade santíssima de Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus conferiu um privilégio
incomparável, que é a Imaculada Conceição.
Em virtude do
pecado original, a inteligência humana se tornou sujeita a errar, a vontade
ficou exposta a desfalecimentos, a sensibilidade ficou presa das paixões
desordenadas, o corpo por assim dizer foi posto em revolta contra a alma.
Ora, pelo privilégio
de sua Conceição Imaculada, Nossa Senhora foi preservada da mancha do pecado
original desde o primeiro instante de seu ser. E, assim, n'Ela tudo
era harmonia profunda, perfeita, imperturbável. O intelecto jamais exposto a
erro, dotado de um entendimento, uma clareza, uma agilidade inexprimível,
iluminado pelas graças mais altas, tinha um conhecimento admirável das coisas
do Céu e da Terra.
A vontade, dócil
em tudo ao intelecto, estava inteiramente voltada para o bem, e governava
plenamente a sensibilidade, que jamais sentia em si, nem pedia à vontade algo
que não fosse plenamente justo e conforme à razão. Imagine-se uma vontade
naturalmente tão perfeita, uma sensibilidade naturalmente tão irrepreensível,
esta e aquela enriquecidas e super-enriquecidas de graças inefáveis,
perfeitissimamente correspondidas a todo o momento, e se pode ter uma ideia do
que era a Santíssima Virgem. Ou, antes, se pode compreender por que motivo nem
sequer se é capaz de formar uma ideia do que a Santíssima Virgem era.
"Inimicitias Ponam"
Dotada de tantas
luzes naturais e sobrenaturais, Nossa Senhora conheceu por certo, em seus dias,
a infâmia do mundo. E com isto amargamente sofreu. Pois quanto maior é o amor à
virtude, tanto maior é o ódio ao mal.
Ora, Maria
Santíssima tinha em si abismos de amor à virtude, e, portanto, sentia
forçosamente em si abismos de ódio ao mal. Maria era, pois inimiga do mundo, do
qual viveu alheia, segregada, sem qualquer mistura nem aliança, voltada
unicamente para as coisas de Deus.
O mundo, por sua
vez, parece não ter compreendido nem amado Maria. Pois não consta que lhe
tivesse tributado admiração proporcionada à sua formosura castíssima, à graça
nobilíssima, a seu trato dulcíssimo, à sua caridade sempre exorável, acessível,
mais abundante do que as águas do mar e mais suave do que o mel.
E como não
haveria de ser assim? Que compreensão poderia haver entre Aquela que era toda
do Céu, e aqueles que viviam só para a Terra? Aquela que era toda fé, pureza,
humildade, nobreza, e aqueles que eram todos idolatria, ceticismo, heresia,
concupiscência, orgulho, vulgaridade? Aquela que era toda sabedoria, razão,
equilíbrio, senso perfeito de todas as coisas, temperança absoluta e sem mácula
nem sombra, e aqueles que eram todo desmando, extravagância, desiquilíbrio,
senso errado, cacofônico, contraditório, berrante a respeito de tudo, e
intemperança crônica, sistemática, vertiginosamente crescente em tudo? Aquela
que era a fé levada por uma lógica adamantina e inflexível a todas as suas
consequências, e aqueles que eram o erro levado por uma lógica infernalmente
inexorável, também a suas últimas consequências? Ou aqueles que, renunciando a
qualquer lógica, viviam voluntariamente num pântano de contradições, em que
todas as verdades se misturavam e se poluíam na monstruosa interpenetração de
todos os erros que lhe são contrários?
"Imaculado"
é uma palavra negativa. Ela significa etimologicamente a ausência de mácula, e,
pois, de todo e qualquer erro por menos que seja, de todo e qualquer pecado por
mais leve e insignificante que pareça. É a integridade absoluta na fé e na
virtude. E, portanto, a intransigência absoluta, sistemática, irredutível, a
aversão completa, profunda, diametral a toda a espécie de erro ou de mal. A
santa intransigência na verdade e no bem, é a ortodoxia, a pureza, enquanto em
oposição à heterodoxia e ao mal. Por amar a Deus sem medida, Nossa Senhora
correspondentemente amou de todo o Coração tudo quanto era de Deus. E porque
odiou sem medida o mal, odiou sem medida Satanás, suas pompas e suas obras, o
demônio e a carne. Nossa Senhora da Conceição é Nossa Senhora da santa
intransigência.
Verdadeiro ódio, verdadeiro amor
Por isto, Nossa
Senhora rezava sem cessar. E segundo tão razoavelmente se crê, Ela pedia o
advento do Messias, e a graça de ser uma serva daquele que fosse escolhida para
Mãe de Deus.
Pedia o Messias,
para que viesse Aquele que poderia fazer brilhar novamente a justiça na face da
Terra, para que se levantasse o Sol divino de todas as virtudes, espancando por
todo o mundo as trevas da impiedade e do vício.
Nossa Senhora
desejava, é certo, que os justos vivendo na Terra encontrassem na vinda do
Messias a realização de seus anseios e de suas esperanças, que os vacilantes se
reanimassem, e que de todos os pauis, de todos os abismos, almas tocadas pela
luz da graça, levantassem voo para os mais altos píncaros da santidade. Pois
estas são por excelência as vitórias de Deus, que é a Verdade e o Bem, e as
derrotas do demônio, que é o chefe de todo erro e de todo o mal. A Virgem
queria a glória de Deus por essa justiça que é a realização na Terra da ordem
desejada pelo Criador.
Mas, pedindo a
vinda do Messias, Ela não ignorava que este seria a Pedra de escândalo, pela
qual muitos se salvariam e muitos receberiam também o castigo de seu pecado.
Este castigo do pecador irredutível, este esmagamento do ímpio obcecado e
endurecido, Nossa Senhora também o desejou de todo o Coração, e foi uma das
consequências da Redenção e da fundação da Igreja, que Ela desejou e pediu como
ninguém. Ut
inimicos Santae Ecclesiae Humiliare digneris, Te rogamus audi nos,
canta a Liturgia na linda Ladainha de Todos os Santos. E, antes da Liturgia, por
certo o Coração Imaculado de Maria já elevou a Deus súplica análoga, pela
derrota dos ímpios irredutíveis. Admirável exemplo de verdadeiro amor, de
verdadeiro ódio.
Onipotência suplicante
Deus quer as
obras. Ele fundou a Igreja par ao apostolado. Mas acima de tudo quer a oração.
Pois a oração é a condição da fecundidade de todas as obras. E quer como fruto
da oração a virtude.
Rainha de todos
os apóstolos, Nossa Senhora é, entretanto e principalmente, o modelo das almas
que rezam e se santificam, a estrela podar de toda meditação e vida interior.
Pois, dotada de virtude imaculada, Ela dez sempre o que era mais razoável, e se
nunca sentiu em si as agitações e as desordens das almas que só amam a ação e a
agitação, nunca experimentou em si, tampouco, as apatias e as negligências das
almas frouxas que fazem da vida interior um pára-vento a fim de disfarçar sua
indiferença pela causa da Igreja. Seu afastamento do mundo não significou um
desinteresse pelo mundo. Quem fez mais pelos ímpios e pelos pecadores do que
Aquela que, para salvá-los, voluntariamente consentiu na imolação crudelíssima
de seu Filho infinitamente inocente e santo? Quem fez mais pelos homens, do que
Aquela que consentiu se realizasse em seus dias a promessa da vinda do
Salvador?
Mas, confiante
sobretudo na oração e na vida interior, não nos deu a Rainha dos Apóstolos uma
grande lição de apostolado, fazendo de uma e outra o seu principal instrumento
de ação?
Aplicação a nossos dias
Tanto valem aos
olhos de Deus as almas que, como Nossa Senhora, possuem o segredo do verdadeiro
amor e do verdadeiro ódio, da intransigência perfeita, do zelo incessante, do
completo espírito de renúncia, que propriamente são elas que podem atrair para
o mundo as graças divinas.
Estamos numa
época parecida com a da vinda de Jesus Cristo à Terra. Em 1928 escreveu o Santo
Padre Pio XI que "o espetáculo das desgraças contemporâneas é de tal
maneira aflitivo, que se poderia ver nele a aurora deste início de dores que
trará o Homem do pecado, elevando-se contra tudo quanto é chamado Deus e recebe
a honra de um culto" (Enc. Miserentissimus
Redemptor, de 08 de maio de 1928).
Que diria ele
hoje? E a nós, que nos compete fazer? Lutar em todos os terrenos permitidos,
com todas as armas lícitas. Mas antes de tudo, acima de tudo, confiar na vida
interior e na oração. É o grande exemplo de Nossa Senhora.
O exemplo de
Nossa Senhora, só com o auxílio de Nossa Senhora se pode imitar. E o auxílio de
Nossa Senhora só com a devoção a Nossa Senhora se pode conseguir. Ora, a
devoção a Maria Santíssima no que de melhor pode consistir, do que em lhe
pedirmos não só o amor a Deus e o ódio ao demônio, mas aquela santa inteireza
no amor ao bem e no ódio ao mal, em uma palavra aquela santa intransigência,
que tanto refulge em sua Imaculada Conceição?
* * * * * * *
A Imaculada
Conceição da Maria Virgem - singular privilégio concedido por Deus, desde toda
a eternidade, Àquela que seria Mãe de seu Filho Unigênito - preside a todos os
louvores que Lhe rendemos na recitação de seu Pequeno Ofício. Assim, parece-nos
oportuno percorrer rapidamente a história dessa "piedosa crença" que
atravessou os séculos, até encontrar, nas infalíveis palavras de Pio IX, sua
solene definição dogmática.
Onze séculos de tranquila aceitação da "piedosa
crença"
Os mais antigos
Padres da Igreja, amiúde se expressam em termos que traduzem sua crença na
absoluta imunidade do pecado, mesmo o original, concedida à Virgem Maria.
Assim, por exemplo, São Justino, Santo Irineu, Tertuliano, Fírmio, São Cirilo
de Jerusalém, Santo Epifânio, Teódoro de Ancira, Sedúlio e outros comparam
Maria Santíssima com Eva antes do pecado. Santo Efrém, insigne devoto da
Virgem, A exalta como tendo sido "sempre,
de corpo e de espírito, íntegra e imaculada". Para Santo Hipólito Ela
é um "tabernáculo isento de toda
corrupção". Orígenes A aclama "imaculada
entre imaculadas, nunca afetada pela peçonha da serpente". Por Santo
Ambrósio é Ela declarada "vaso
celeste, incorrupta, virgem imune por graça de toda mancha de pecado".
Santo Agostinho afirma, disputando contra Pelágio, que todos os justos
conheceram o pecado, "menos a Santa
Virgem Maria, a qual, pela honra do Senhor, não quero que entre nunca em
questão quando se trate de pecados".
Cedo começou a
Igreja - com primazia da Oriental - a comemorar em suas funções litúrgicas a
imaculada conceição de Maria. Passaglia, no seu De Inmaculato Deiparae Conceptu, crê que a princípios do Século V já se celebrava a festa da Conceição de Maria
(com o nome de Conceição de Sant'Ana) no Patriarcado de Jerusalém. O documento
fidedigno mais antigo é o cânon de dita festa, composto por Santo André de
Creta, monge do mosteiro de São Sabas, próximo a Jerusalém, o qual escreveu
seus hinos litúrgicos na segunda metade do século VII.
Tampouco faltam
autorizadíssimos testemunhos dos Padres da Igreja, reunidos em Concílio, para
provar que já no século VII era comum e recebida por tradição a piedosa crença,
isto é, a devoção dos fiéis ao grande privilégio de Maria (Concílio de Latrão,
em 649, e Concílio Constantinopolitano III, em 680).
Em Espanha, que
se gloria de ter recebido com a fé o conhecimento deste mistério, comemora-se
sua festa desde o século VII. Duzentos anos depois, esta solenidade aparece
inscrita nos calendários da Irlanda, sob o título de "Conceição de
Maria".
Também no século
IX era já celebrada em Nápoles e Sicílias, segundo consta do calendário gravado
em mármore e editado por Mazzocchi em 1744. Em tempos do Imperador Basílio II
(976-1025), a festa da "Conceição de Sant'Ana" passou a figurar no
calendário oficial da Igreja e do Estado, no Império Bizantino.
No século XI
parece que a comemoração da Imaculada estava estabelecida na Inglaterra, e,
pela mesma época, foi recebida em França. Por uma escritura de doação de Hugo
de Summo, consta que era festejada na Lombardia (Itália) em 1047. Certo é
também que em fins do século XI, ou princípios do XII, celebrava-se em todo o
antigo Reino de Navarra.
Séculos XII-XIII: Oposições
No mesmo século
XII começou a ser combatido, no Ocidente, este grande privilégio de Maria
Santíssima. Tal oposição haveria ainda de ser mais acentuada e mais precisa na
centúria seguinte, no período clássico da escolástica. Entre os que puseram em
dúvida a Imaculada Conceição, pela pouca exatidão de ideias à matéria
encontram-se doutos e virtuosos varões, como, por exemplo, São Bernardo, São
Boaventura, Santo Alberto Magno e o angélico São Tomás de Aquino.
Século XIV: Escoto e a reação a favor do dogma
O combate a esta
augusta prerrogativa da Virgem não fez senão acrisolar o ânimo de seus
partidários. Assim, o século XIV se inicia com uma grande reação a favor da
Imaculada, na qual se destacou, como um de seus mais ardorosos defensores, o Beato Raimundo Lulio,
espanhol.
Outro dos
primeiros e mais denodados campeões da Imaculada Conceição foi o Beato João Duns Escoto (seu país natal
é incerto: Escócia, Inglaterra ou Irlanda; morreu em 1308), glória da Ordem dos
Menores Franciscanos, o qual, depois de bem fixar os verdadeiros termos da
questão, estabeleceu com admirável clareza os sólidos fundamentos para
desvanecer as dificuldades que os contrários opunham à singular prerrogativa
mariana.
Sobre o impulso
dado por Escoto à causa da Imaculada Conceição, existe uma tocante legenda.
Teria ele vindo de Oxford a Paris, precisamente para fazer triunfar o
imaculatismo. Na Universidade da Sorbonne, em 1308, sustentou uma pública e
solene disputa em favor do privilégio da Virgem.
No dia dessa
grande ato, Escoto, quando chegou ao local da discussão, prosternou-se diante
de uma imagem de Nossa Senhora que se encontrava em sua passagem, e lhe dirigiu
esta prece: "Dignare me laudare te,
Virgo sacrata: da mihi virtutem contra hostes tuos". A Virgem, para
mostrar seu contentamento com esta atitude inclinou a cabeça - postura que, a
partir de então, Ela teria conservado...
Depois de
Escoto, a solução teológica das dificuldades levantadas contra a Imaculada
Conceição se tornou casa dia mais clara e perfeita, com o que seus defensores
se multiplicaram prodigiosamente. Em seu favor escreveram inúmeros filhos de
São Francisco, entre os quais se podem contar os franceses Aureolo (m. em 1320) e Mayron
(m. em 1325), o escocês Bassolis e o espanhol
Guillermo Rubión. Acredita-se que esses
ardorosos propagandistas do santo mistério estejam na origem de sua celebração
em Portugal, nos primórdios do século XIV.
O documento mais
antigo da instituição da festa da Imaculada nesse país é um decreto do Bispo de
Coimbra, D. Raimundo Evrard, datado de 17 de Outubro de 1320. A par dos
doutores franciscanos, cumpre ainda mencionar, entre
os defensores da Imaculada Conceição nos séculos XIV-XV, o carmelita João Bacon (m. em 1340), o agostiniano Tomás de Estrasburgo, Dionísio,
o Cartuxo (m. em 1471), Gerson (m. em 1429), Nicolau de Cusa (m. em 1464) e outros muitos
esclarecidos teólogos pertencentes a diversas escolas e nações.
Séculos XV-XVI: acirradas disputas
Em meados do
século XV, a Imaculada Conceição foi objeto de renhido combate durante o
Concílio de Basiléia, resultando num decreto de definição sem valor dogmático,
posto que este sínodo perdeu a legitimidade ao se desligar do Papa.
Entretanto,
crescia cada dia mais o número das cidades, nações e colégios que celebravam
oficialmente a festa da Imaculada. E com tal fervor, que nas cortes da
Catalunha, reunidas em Barcelona entre 1454 e 1458, decretou-se pena de
perpétuo desterro para quem combatesse o santo privilégio.
O autêntico
Magistério da Igreja não tardou a dar satisfação aos defensores do dogma e da
festa. Pela bula Cum proeexcelsa, de
27 de Fevereiro de 1477, o Papa Sixto IV aprovou a festa da Conceição de Maria,
enriqueceu-a de indulgências semelhantes às festas do Santíssimo Sacramento e
autorizou Ofício e Missa especial para essa solenidade.
Pelos fins do
século XV, porém, a disputa em torno da Imaculada Conceição de tal maneira
acirrou os ânimos dos contendores, que o mesmo Papa Sixto IV se viu obrigado a
publicar, em data de 04 de setembro de 1483, a Constituição Grave Nimis, proibindo, sob pena de
excomunhão, que os de uma parte chamassem hereges aos da outra.
Por essa época,
festejavam a Imaculada célebres universidades, como as de Oxford, de Cambridge
e a de Paris, a qual, em 1497, instituiu para
todos os seus doutores o juramento e o voto de defender perpetuamente o
mistério da Imaculada Conceição, excluindo de seus quadros quem não os fizesse.
De modo semelhante procederam as universidades de Colônia
(em 1499), de Magúncia (em 1501) e a
de Valência (em 1530).
No Concílio de
Trento (1545-1563) se ofereceu nova ocasião para denodado combate entre os dois
partidos. Sem proferir uma definição dogmática da Imaculada Conceição, esta assembleia
confirmou de modo solene as decisões de Sixto IV. A 15 de Junho de 1546, na
sessão V, em seguida aos cânones sobre o pecado original, acrescentaram-se
estas significativas palavras: "O sagrado Concílio declara que não é sua
intenção compreender neste decreto, que trata do pecado original, a
Bem-aventurada e imaculada Virgem Maria, Mãe de Deus, mas que devem observar-se
as constituições do Papa Sixto IV, de feliz memória, sob as penas que nelas se
cominam e que este Concílio renova".
Por esse tempo,
começaram a reforçar as fileiras dos defensores da Imaculada Conceição os
teólogos da recém-fundada Companhia de Jesus, entre os quais não se achou um só
de opinião contrária. Aliás, pelos primeiros missionários jesuítas no Brasil
temos notícia de que, já em 1554, celebrava-se o singular privilégio mariano em
nosso País. Além da festa comemorada no dia 8 de Dezembro, capelas, ermidas e
igrejas eram edificadas sob o título de Nossa Senhora da Conceição.
Entretanto, a
piedosa crença ainda suscitava polêmicas, coibidas pela intervenção do Sumo
Pontífice. Assim, em outubro de 1567, São Pio V, condenando uma proposição de
Bayo que afirmava ter morrido Nossa Senhora em consequência do pecado herdado
de Adão, proibiu novamente a disputa acerca do augusto privilégio da Virgem.
Séculos XVII e seguintes: consolidação da
"piedosa crença"
No século XVII,
o culto da Imaculada Conceição conquista Portugal inteiro, desde os reis e os
teólogos até os mais humildes filhos do povo. A 9 de Dezembro de 1617, a
Universidade de Coimbra, reunida em claustro pleno, resolve escrever ao Papa
manifestando-lhe a sua crença na imaculabilidade de Maria.
Naquele mesmo
ano, Paulo V, decretou que ninguém se atrevesse a ensinar publicamente que
Maria Santíssima teve pecado original. Semelhante foi a atitude de Gregório XV,
em 1622.
Por essa época,
a Universidade de Granada se obrigou a defender a Imaculada Conceição com voto
de sangue, quer dizer, comprometendo-se a dar a vida e derramar o sangue, se
necessário fosse, na defesa deste mistério. Magnífico exemplo que foi imitado,
sucessivamente, por grande número de cabidos, cidades, reinos e ordens
militares.
A partir do
século XVII também foram se multiplicando as corporações e sociedades, tanto
religiosas como civis, e até mesmo estados, que adotaram por padroeira à Virgem
no mistério de sua Imaculada Conceição.
Digna de
particular referência é a iniciativa de D. João IV, Rei de Portugal,
proclamando Nossa Senhora da Conceição padroeira de seus "Reinos e
Senhorios", ao mesmo tempo em que jura defendê-La até à morte, segundo se
lê na provisão régia de 25 de março de 1646. A partir deste momento, em
homenagem à sua Imaculada Soberana, nunca mais os reis portugueses puseram a
coroa na cabeça.
Em 1648, aquele
mesmo Monarca mandou cunhar moedas de ouro e prata. Foi com estas que se pagou
o primeiro feudo a Nossa Senhora. Com o nome de Conceição, tais moedas tinham
no anverso a legenda: JOANNES IIII, D. G. PORTUGALIAE ET ALBARBIAE REX, a Cruz
de Cristo e as armas lusitanas. No reverso: a imagem da Senhora da Conceição
sobre o globo e a meia lua, com a data de 1648 e, nos lados, o sol, o espelho,
o horto, a casa de ouro, a fonte selada e a Arca da Aliança, símbolos bíblicos
da Santíssima Virgem.
Outro decreto de
D. João IV, assinado em 30 de junho de 1654, ordenava que "em todas as portas e entradas das cidades, vilas e lugares de
seus Reinos", fosse colocada uma lápide cuja inscrição exprimisse a fé
do povo português na imaculada Conceição de Maria.
Igualmente a
partir do século XVII imperadores, reis e as cortes dos reinos começaram a
pedir com admirável constância, e com uma insistência de que há poucos exemplos
na História, a declaração dogmática da Imaculada Conceição.
Pediram-na a
Urbano VIII (m. em 1644) o Imperador Fernando II da Áustria; Segismundo, Rei da
Polônia; Leopoldo, Arquiduque do Tirol; o eleitor de Magúncia; Ernesto de
Baviera, eleitor de Colônia.
O mesmo Urbano
VIII a pedidos do Duque de Mântua e de outros príncipes, criou a ordem militar
dos Cavaleiros da Imaculada Conceição, aprovando ao mesmo tempo seus estatutos.
Por devoção à Virgem Imaculada, quis ele ser o primeiro a celebrar o augusto
Sacrifício na primeira igreja edificada em Roma sob o título da Imaculada, para
uso dos menores capuchinhos de São Francisco.
Porém, o ato
mais importante emanado da Santa Sé, no século XVII, em favor da Imaculada
Conceição, foi a bula Sollicitude omnium
Ecclesiarum, do Papa Alexandre VII, em 1661. Neste documento, escrito de
sua própria mão, o Pontífice renova e ratifica as constituições em favor de
Maria Imaculada, ao mesmo tempo em que impõe gravíssimas penas a quem sustentar
e ensinar opinião contrária aos ditos decretos e constituições. Esta bula
memorável precede diretamente, sem outro decreto intermediário, a bula decisiva
de Pio IX.
Em 1713, Felipe
V de Espanha e as Cortes de Aragão e Castela pediram a solene definição a
Clemente XI. E o mesmo Rei, com quase todos os Bispos espanhóis, as
universidades e Ordens religiosas, a solicitaram a Clemente XII, em 1732.
No pontificado
de Gregório XVI, e nos primeiros anos de Pio IX, elevaram-se à Sé Apostólica mais de 220
petições de Cardeais, Arcebispos e Bispos (sem contar as dos cabidos e ordens
religiosas) para que se fizesse a definição dogmática, que se deu no
felicíssimo dia 08 de dezembro de 1854, através da Bula Ineffabilis Deus.
(Monsenhor
João Clá Dias, EP, Pequeno Ofício da Imaculada Conceição Comentado, Volume I,
2° Edição - Agosto 2010, p. 436 à 441)
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