segunda-feira, 4 de abril de 2016

SOLENIDADE DA ANUNCIAÇÃO E DA ENCARNAÇÃO DO VERBO.



“Na presença dos habitantes do céu e da terra, e do Deus eterno Criador universal, quero confessar que ao tomar a pena, para escrever sobre o arcano Mistério da Encarnação, perturbo-me: desfalecem minhas fracas forças, emudece-me a língua, paralisa meu raciocínio, pasmam minhas potências, e sentindo-me totalmente inibida, com a inteligência submersa, volto-me para a divina luz que me governa e instrui. Nela tudo se conhece e se entende claramente sem qualquer engano. Vejo minha incapacidade, percebo o vácuo das palavras e a limitação dos termos para exprimir os conceitos de um sacramento que, em resumo, encerra o próprio Deus e a maior obra e maravilha de sua onipotência. Vejo, neste mistério, a divina e admirável harmonia da infinita providência e sabedoria com que o ordenou e preparou desde a eternidade. Desde a criação o veio encaminhando, usando de todas as suas obras e criaturas como ajustados meios a contribuírem para o altíssimo fim de sua descida ao mundo como Deus e homem”.
                                          

              (Venerável Sóror Maria de Ágreda, séc. XVII)



Deus quis se encarnar. Por quê?
 
Por que Deus quis se encarnar? Por que Deus quis ser um de nós? Aí entra o maior atributo divino, infinito e incompreensível: seu AMOR! Deus caritas est! “Deus é amor!” (I João 4, 8), exclama o evangelista São João. Vejam, caros irmãos e irmãs, que o apóstolo não diz que Deus “tem amor” ou somente que Deus “nos ama”. Não! Ele afirma que Deus é o próprio amor! Amor é um substantivo, é "algo", mesmo que seja um substantivo abstrato. A palavra "substantivo" deriva da palavra "substância". Uma substância é algo que existe. Como sabemos, uma coisa só passa a existir após um ato criativo. Exemplo: o pensamento (substantivo) só começa a existir quando ocorre o ato de pensar (verbo). Assim, Deus, o infinito amor, só existe porque Ele é infinito no amar, amando constantemente e infinitamente. Deus encontra sua razão de ser amando, isto é, sendo Ele o próprio amor vivo.
Ora, quem ama infinitamente fatalmente acaba por cometer "loucuras de amor", concordam? Os enamorados que o digam. Portanto, seria Deus um “louco”? Claro que não (ao menos no sentido denotativo da palavra)! Mas diria que sim, no sentido conotativo, pois somos, em nossa pouca e limitada inteligência, incapazes de compreender as razões divinas. Sabemos que os grandes gênios são muitas vezes taxados como “loucos”; até mesmo grandes santos e santas o foram.
Deus é infinitamente sábio. Deus é perfeitamente sadio em seus pensamentos. Todos seus atos (ação de amar) são pensados e decididos com infinita inteligência e pleno controle de sua vontade.
Deus é amor infinito decidido, praticado e exercido com controle e sabedoria infinitos. Por não poderem ser compreendidos pelas criaturas ("Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os meus caminhos, diz o Senhor. Porque, assim como o céu é mais alto do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos”, Isaías 55, 8-9), os atos de infinito amor de Deus (seus amores) encantam e extasiam até as mais soberanas legiões angélicas!
Para os anjos e para nós também, Deus seria um "louco de amor" (como dizia uma jovem monja carmelita descalça chilena, Santa Teresa dos Andes), um amor tão infinito que se torna imperscrutável por nossas mentes.
Pois bem, no cume dessa "loucura divina" encontramos seu desejo, concretizado em Jesus, de ser gente como nós! Como seria isso possível? Como compreendermos o Senhor?
Claro, caros irmãos e irmãs, que não estou querendo dizer aqui que Jesus não veio ao mundo para nos salvar. Muito pelo contrário! Por causa de nosso pecado, iniciado em nossos primeiros pais, conforme discorreremos mais adiante, Jesus se encarnou para nos salvar através de sua Paixão e Morte na cruz: “Nisto consiste o amor: não em termos nós amado a Deus, mas em ter-nos ele amado, e enviado o seu Filho para expiar os nossos pecados. (I João 4, 10); “E nós vimos e testemunhamos que o Pai enviou seu Filho como Salvador do mundo.” (I João 4, 14); “Sabeis que (Jesus) apareceu para tirar os pecados, e que nele não há pecado” (I João 3, 5). O que digo é que essa não foi a única razão da Encarnação do Verbo e que Ele, mesmo se não tivéssemos pecado, teria vindo ao mundo por causa de seu amor por nós, para partilhar conosco toda sua imensa caridade! Aliás, se não houvéssemos pecado, nossa santidade original não só não seria empecilho algum à vinda do Senhor ao mundo (como homem), como atrairia ainda mais a realização da mesma, já que nada atrapalharia nossa amizade com Deus.
Outra razão importantíssima para a vinda de Jesus ao mundo seria a necessária existência da natureza humana de Cristo, existência essa que se constituiria o principal ato criativo de Deus, sem o qual nada fora de Deus teria razão de existir.



Deus cria o universo em função do Verbo Humanado.

“Nele (Jesus) foram criadas todas as coisas… tudo foi criado por ele e para ele. (…) e todas as coisas subsistem nele”.
Comentamos um pouco sobre isso no tópico anterior, quando falamos sobre a criação do mundo angélico. Porém, o mundo material, isto é, o universo, também deve sua existência à própria existência do Verbo humanado, Cristo Jesus.
Para muitos, pode até parecer estranha essa afirmativa, mas não é. Deus basta-se a Si mesmo na Trindade de Amor na qual existe e habita. Nenhuma de suas obras “ad extra”, isto é, fora dEle, foram feitas “ao acaso”, mas somente em virtude de glorificar o Pai, pelo Filho (isto é, por causa dEle) e no Espírito Santo.
Se não fosse a futura Encarnação do Filho (poderíamos dizer sua “materialização”), a existência da matéria ou até mesmo a dos Anjos (conforme discorremos acima) não teriam, em si, sentido algum. Tudo o que Deus faz é perfeito. Tudo tem sua razão de ser. Isso é um fato. Porém, sabemos que a matéria é imperfeita, pois é perecível e limitada. Então, por que a existência da matéria? Para quê? Somente a futura existência da natureza humana do Verbo Encarnado explicaria a existência de todas as demais criaturas.
Assim, a existência de toda matéria, das galáxias e estrelas, dos planetas, da Terra, da natureza, dos minerais, de todos os seres vivos, animais e vegetais e, especialmente, dos seres humanos, tudo devemos à existência de Jesus. Existimos por causa dEle e para Ele! Tudo converge para Ele e em virtude dEle existe e subsiste.
Como isso é belo! Como somos devedores à Santíssima Pessoa do Senhor Jesus! Quão tolos são os que, por própria culpa e responsabilidade, não crêem no Cristo! Mal sabem eles que suas vidas, cada batimento de seus corações e cada respiro de seus pulmões são devidos à existência do Homem-Deus Jesus tanto de forma direta (por ser nosso Senhor e Criador) como indireta.
Por que uso esse termo: “indireta”? Explico. O Corpo de Jesus é feito de quê? Músculos, pele, sangue, ossos, nervos e outros órgãos que O compõem, de que são feitos? Carbono, oxigênio, hidrogênio, ferro, nitrogênio, cálcio e outros minerais: tudo isso entra na composição do Corpo Santíssimo do Verbo Humanado. Por isso é que Deus criou toda a matéria da qual o Universo é feito: para que um dia o Corpo do Senhor, sua obra prima, ápice e centro de toda a criação, pudesse um dia ser criado.
Imagino a grande surpresa quando todos os olhos contemplarem o Justo Juiz, Cristo Senhor nosso, sentado no trono da glória infinita do Pai para julgar os vivos e os mortos! Ali estaremos todos: cristãos e não cristãos, os que creram em Deus e os ateus, os amigos e os inimigos de Cristo. Todos seremos reunidos para sermos julgados conforme os nossos atos. O fato de alguém não crer em Deus e no Cristo, não diminui em nada a glória e majestade do Senhor. Um dia, todos compareceremos perante Jesus para sermos julgados...
Claro que nosso Senhor vê claramente os pensamentos de cada coração. Muitos não creram nEle porque não tiveram a oportunidade para isso: “No dia do juízo, a rainha do Sul se levantará contra esta raça e a condenará, porque veio das extremidades da terra para ouvir a sabedoria de Salomão. Ora, aqui está quem é mais do que Salomão” (Lucas 11, 31 e Mateus 12, 42). Porém, muitos não aceitam o Cristo por pura malícia ou má vontade, infelizmente... Outros, pior, deixando-se levar por vãs crendices ou filosofias estranhas, crêem e fazem outros crer num Cristo apenas histórico, não passando de um simples “profeta”, de um “iluminado”, de mais um “guru”, de um “ser superior", de um "mágico” ou apenas de um grande “médium”, como professam os que abraçam doutrinas esotéricas e reencarnacionistas. Que pena! Como estão longe da verdade! Como fogem drasticamente do caminho seguro e se enveredam por caminhos obscuros e perigosos que levam à fantasia e ilusão! Talvez seja esta uma das mais astutas táticas diabólicas nos tempos atuais: a existência de Cristo não é mais negada, mas, deturpada e embotada. Jesus é “desvalorizado”. Formulam-se e divulgam-se cada vez mais "teorias", “fábulas” e falsas pesquisas científicas sobre Jesus, principalmente através dos meios de comunicação social, ávidos por polêmica e “ibope”.
Jesus, que um dia disse: "Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai se não for por mim" (João 14, 6), tenha misericórdia de todos esses que insistem em difamá-lO! Rezemos por eles para que um dia também tenham a oportunidade de conhecer e crer no Cristo como Ele verdadeiramente é: como o Senhor e Criador de todas as coisas, que se encarnou e nos salvou na cruz.
A Igreja, fiel ao seu Mestre, Senhor e Fundador, professa: "Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos. Deus de Deus, Luz da Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro. Gerado, não criado. Consubstancial ao Pai. Por Ele todas as coisas foram feitas. E, por nós homens, e para a nossa salvação, desceu do Céu. Se encarnou no ventre da Virgem Maria e se fez homem" (trecho do Credo Niceno-Constantinopolitano).




A União Hipostática

E o Verbo se fez carne! Que mistério infinito! Jamais esgotaríamos os louvores e admirações a tão infinito mistério da graça! O Verbo, Deus infinito, torna-se homem. Dá-se a UNIÃO HIPOSTÁTICA entre Deus e o homem. Duas naturezas completamente distintas e infinitamente distantes que “se fundem” em uma única Pessoa: Jesus.
 Para termos uma pálida idéia do que ocorreu na Encarnação do Verbo, vou usar o exemplo da fundição dos metais. Sabemos que o bronze não existe na natureza. Ele é formado pela fusão do cobre, estanho e chumbo. Seus átomos “se juntam” formando uma nova substância.
Claro que, ao trazermos o exemplo acima para o que ocorreu na Encarnação, a comparação torna-se por demais fraca. No entanto, carecemos de imagens ou figuras que possam representar suficientemente um mistério infinito como a hipóstase.
Na HIPOSTASE, o que ocorre é algo infinitamente mais maravilhoso e perfeito que isso. Por que? Porque Deus e as criaturas estão na ordem da natureza e da graça infinitamente distantes. Estanho e cobre, mesmo diferentes, são metais, isto é, possuem a mesma natureza, isto é, são equiparados no tocante ao seu valor.
Porém, quem é Deus e quem é o homem? Deus é infinito e o homem um pobre vermezinho... Além do mais, mesmo estando juntos, microscopicamente o estanho continua estanho e o cobre continua cobre. Em Jesus, Deus e homem são um único ser, uma única realidade, inseparáveis! Entendem agora porque o Mistério da Encarnação é um dos mais sublimes mistérios divinos? Entendem porque nossa pobre inteligência jamais entenderá a grandeza desse mistério?
Explicaremos o que significa a palavra “hipostase”. Hipostase, oriunda do grego, significa: “fixar-se em baixo”, isto é, humilhar-se estavelmente, para sempre! Foi exatamente isso que Deus fez por amor a nós: humilhou-se infinita, perene e eternamente quando assumiu a natureza humana unindo-se a ela.
Mesmo no Céu, mesmo na glória do Pai, Jesus, pelo fato de também ser homem, continua em estado de humildade e pequenez permanentes. Justamente isso, a contemplação desse mistério do amor e da humildade de Deus, é que assombra e extasia os coros angélicos.
Quando um dia, pela misericórdia de Deus, chegarmos ao Céu e contemplarmos esse maravilhoso mistério, também cairemos no mesmo e eterno êxtase dos anjos.
Voltando à comparação com a fundição dos metais, tentaremos explicar, dentro do possível, como é a união hipostática. Quando o Verbo Eterno assumiu a natureza humana de Cristo, criada no ventre puríssimo de Maria, Ele assume (“se funde com” ou “absorve”) toda essa natureza: Corpo e Alma humanos de Cristo. O Verbo se uniu com o Corpo e também com a Alma de Cristo. No entanto, uma coisa fique bem entendida: a natureza e Pessoa divinas do Verbo assumiram a natureza humana e não o contrário! Jesus não foi um homem que se tornou Deus, mas Deus que se tornou homem, sem jamais deixar de ser Deus.
A união Deus-Homem foi perfeita, estável e irrevogável. Todo o Corpo e toda a Alma de Cristo estão no Verbo e todo o Verbo está no Corpo e na Alma de Jesus, de forma que em cada parte do Corpo e da Alma de Cristo está presente todo o Verbo.


A realização do Sonho de Deus: nasce o Filho Eterno Humanado.

 Que coisa bonita é o nascimento de uma criança esperada com amor por seus pais! Que emoção ver aquele ser tão desejado e aguardado por toda a família abrindo seus pulmõezinhos com seu primeiro choro! Como são fáceis, nos olhos dos pais, as lágrimas com o nascimento do bebê! Ora, se tais emoções acontecem conosco, que somos pecadores, o que não terá se passado nos corações puríssimos dos santos esposos Maria e José?
Imagino como aqueles dois corações palpitavam de alegria na expectativa do nascimento do Filho de Deus prometido! Como bons judeus que eram, suspiravam pela vinda do Messias Senhor, que libertaria o povo israelita e todo o mundo do jugo do pecado. Como excelentes pais, choravam emocionados ao presenciarem dia-a-dia o ventre venturoso de Maria que ganhava volume com o desenvolvimento do Santíssimo Deus-Menino.
Aproximavam-se os dias do parto. Maria, que conhecia muito bem as Sagradas Escrituras, sabia que algo aconteceria para que seu Filho não nascesse em Nazaré. O profeta Miquéias (Miquéias 5, 2) já havia previsto que o Messias nasceria em Belém, cidade natal do rei Davi. São José possivelmente desconhecia tal "imprevisto". Creio que o santo pai já havia preparado o bercinho de Jesus e tudo necessário, em sua pobreza e simplicidade, para que Jesus nascesse ao menos com alguma dignidade.
Porém, o que Nossa Senhora já previa realmente aconteceu. Faltando poucos dias para o nascimento do Senhor, o imperador romano César Augusto decidiu que todo o povo israelita deveria se apresentar em suas cidades de origem para a realização de um censo.
Ó Jesus, como o coração de vosso santo pai José deve ter apertado de dor! Todos seus planos e preparativos ruíram “por água abaixo”.  E Maria? Como nossa Mãe, ciente da vontade divina, deve ter feito atos insignes de submissão e aceitação dessa mesma vontade! Tudo o que previa as Sagradas Escrituras se encaminhava para seu devido cumprimento.
Conhecemos de cor todos os fatos ocorridos naquela santa noite em Belém. Não vou alongar-me descrevendo-os. Gostaria apenas que vocês, caros irmãos, fizessem agora uma pausa na leitura deste livro e novamente lessem as maravilhas narradas por São Mateus (Mateus 1 - 2) e São Lucas (Lucas 2).
Nunca cessemos de agradecer ao Deus do Céu e da Terra, nosso Pai, pelo dom de seu Filho Unigênito, Jesus Cristo: "Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (João 3,16).
Quem é pai ou mãe conhece a emoção que se sente com o nascimento de um filho ou de uma filha. Podemos até imaginar a alegria e emoção de Maria Santíssima e de São José com a vinda de Jesus. O que jamais alcançaremos, no entanto, é a compreensão de todo o amor, ternura e felicidade que Deus Pai sentiu com o nascimento do seu Unigênito em Belém de Judá. Não falo propriamente do amor que o Pai sentia naquele momento pela Pessoa do Verbo divino, mas falo do amor que o Pai sentiu ao contemplar a Santíssima Humanidade de Cristo, isto é, o pequeno Menino Jesus.
No Filho Humanado, o Pai colocou "todas as suas complacências" (Mateus 3, 17; Lucas 3, 22), isto é, todo o seu infinito amor. Alguém poderá atingir a compreensão disso? Jamais! Também como homem, Jesus era seu Filho querido, amado, esperado e sonhado! Era o tudo do Pai! Seu sonho! Sim! Jesus era o sonho de Deus Pai! Tudo no qual Ele pensara desde toda a eternidade! Todo seu afeto, seu Coração de Pai e seu infinito Amor estavam voltados para a Pessoa e a humanidade do Filho Jesus.

Ai, meu Deus! Como vos é agradável que amemos vosso Filho Jesus! Como vos é agradável que O ouçamos e sigamos seus conselhos e exemplos! Condicionastes nossa salvação eterna ao seguimento do Filho revelado e doado ao mundo como seu único Salvador e Redentor. Atraí-nos para o Filho, ó Pai! Dai-nos a graça de seguirmos a Jesus, conforme foi revelado por meio do santo evangelista: “Ninguém pode vir a mim, se por meu Pai não lhe for concedido” (João 6, 65).


(Trechos do livro "E o Verbo se fez carne: Tratado da Encarnação do Verbo", de Giovani Carvalho Mendes, ocds. Livro ainda não publicado, em edição. O autor autoriza a divulgação dos textos acima, contanto que se faça referência). 

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